Nos últimos dois dias trabalhei numa curta peça para piano, que acabou tendo cerca de quatro minutos de duração. Inquietado pela insônia no sábado já de manhãzinha, após passar a madrugada concentrado em outra obra, de duração mais extensa, me vieram duas coisas ao mesmo tempo: um imperativo de trabalhar acordes formados por aglomeração, i. é, por sucessão de notas, e um sentimento de culpa por nunca mais ter rezado com a assiduidade com que eu deveria, daí uni as duas coisas e dei conta da peça tratando-a de dedicá-la desde o início, em forma de retribuição, a N. S. do Carmo, a quem sou consagrado desde 2013 pela imposição de Seu escapulário.
Todavia não se trata de uma peça sacra: é uma partitura de concerto curta - tonal e monotemática - que varia entre a estaticidade ginopediana de Satie, na primeira e terceira seções, e uma emulação aparente de noturno chopiniano na seção central, onde acontece uma discreta modulação que se contém e regressa ao si menor inicial, evitando fornecer novos materiais e ceder a um desenvolvimento mais prolongado e emotivo. No final, a dúbia conclusão, em que a tônica da relativa maior (ré) tenta puxar o centro tonal no último acorde (mas sem surtir efeito, graças ao constante e austero si), pode significar o comedimento de personalidade, não de caráter, que uma pessoa religiosa poderia ter ante as tentações dionisíacas. Mas não pretendo impor interpretações extramusicais rígidas, mesmo sendo uma criação minha, e esse quase-noturno parece ter sentidos adjacentes que ainda não captei.
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