segunda-feira, 1 de junho de 2015

Noturno de consagração, op. 19


Nos últimos dois dias trabalhei numa curta peça para piano, que acabou tendo cerca de quatro minutos de duração. Inquietado pela insônia no sábado já de manhãzinha, após passar a madrugada concentrado em outra obra, de duração mais extensa, me vieram duas coisas ao mesmo tempo: um imperativo de trabalhar acordes formados por aglomeração, i. é, por sucessão de notas, e um sentimento de culpa por nunca mais ter rezado com a assiduidade com que eu deveria, daí uni as duas coisas e dei conta da peça tratando-a de dedicá-la desde o início, em forma de retribuição, a N. S. do Carmo, a quem sou consagrado desde 2013 pela imposição de Seu escapulário.

Todavia não se trata de uma peça sacra: é uma partitura de concerto curta - tonal e monotemática - que varia entre a estaticidade ginopediana de Satie, na primeira e terceira seções, e uma emulação aparente de noturno chopiniano na seção central, onde acontece uma discreta modulação que se contém e regressa ao si menor inicial, evitando fornecer novos materiais e ceder a um desenvolvimento mais prolongado e emotivo. No final, a dúbia conclusão, em que a tônica da relativa maior (ré) tenta puxar o centro tonal no último acorde (mas sem surtir efeito, graças ao constante e austero si), pode significar o comedimento de personalidade, não de caráter, que uma pessoa religiosa poderia ter ante as tentações dionisíacas. Mas não pretendo impor interpretações extramusicais rígidas, mesmo sendo uma criação minha, e esse quase-noturno parece ter sentidos adjacentes que ainda não captei.

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