sexta-feira, 6 de junho de 2014

Das experimentações estéticas às seletivas*

Armando Lôbo. Foto: Rodrigo Montenegro / divulgação.
A XX Bienal de Música Contemporânea Brasileira aconteceu de 27 de setembro a 06 de outubro de 2013, completando hoje, portanto, oito meses de seu encerramento. Todos os concertos do evento tiveram lugar na Sala Leopoldo Miguez, da Escola de Música da UFRJ – exceto o último, no Theatro Municipal do Rio – e houve uma noite, no dia 03/10, dedicada apenas a curtas-metragens sobre música contemporânea brasileira e a filmes de Humberto Mauro cujas trilhas sonoras foram criadas, originalmente ou não, por compositores nacionais, como Heitor Villa-Lobos e Hekel Tavares.

Os protestos na Cinelândia acarretados pela greve dos professores municipais carioca chegaram a interromper temporariamente o concerto realizado no dia 01/10, mesmo estando a EMUFRJ a cerca de 500 metros daquele ponto do Centro do Rio. No entanto, esse foi o único incidente de percurso da Bienal, cujo público que testemunhamos compareceu em número sensivelmente maior do que nas três edições anteriores que acompanhei representando a Continente (nesta ocasião, estive presente do dia 04 ao dia 06, ou seja, nas três últimas noites).

A qualidade das obras também chamou a atenção, em especial a de compositores veteranos. O sistema de escolha dos participantes para esta edição, que contemplou tanto a seleção via concurso quanto a encomenda direta, permitiu que houvesse mais equilíbrio entre nomes de diferentes gerações (muitos veteranos, que haviam inclusive sido revelados nas primeiras edições da própria Bienal, por exemplo, não se inscreveram nos últimos anos porque não tinham mais interesse em se submeter a concursos).

Por outro lado, os compositores calouros ou com participação em até duas edições da Bienal já não foram mais agraciados com prêmios específicos, como ocorrera em 2009, por exemplo. Esse era um grande estímulo e evidenciou nomes importantes recém-saídos das faculdades de música ou que ainda a cursavam, a exemplo de Paulo Guicheney (GO), Marcílio Onofre (PB) e Paulo Rios Filho (BA).

A mudança de perfil dos participantes da Bienal se deveu à formação de um colégio de 67 compositores e regentes convocados pela Funarte, ao qual foi confiada a tarefa de selecionar por eleição interna aqueles que receberiam encomendas. Cada membro votou em dez nomes e daí montou-se um ranking em que os mais citados ganharam os comissionamentos de maior valor – pois teriam de criar uma obra para uma formação instrumental maior, começando por uma orquestra sinfônica. Por sorte, os compadres que combinaram troca de votos foram poucos e não criaram distorções no ranking.

Há ainda a promessa de expansão do colégio eleitoral para a edição de 2015. É uma marca da Bienal: além de espaço para agregar todas as vertentes estéticas, ela também incorre em experimentações no que tange ao processo de seleção – dificilmente ela o repete de um biênio para outro. Por outro, o coordenador da Bienal, Flavio Silva, é conhecido por rejeitar categoricamente a ideia de uma curadoria, desejada por muitos compositores e praticada no exterior, por entender que um evento financiado com verba pública não deve ser direcionado artisticamente por uma única pessoa.

A XX Bienal decidiu também adotar uma prática dos festivais de cinema: a eleição da melhor obra de cada noite por votação popular. Não valia premiação nenhuma, era apenas a título de termômetro. No entanto, a produção do evento exigia que os três primeiros colocados fossem enumerados explicitamente. Como efeito colateral, alguns compositores obtiveram o maior número de menções para mais de uma posição. O cearense Liduíno Pitombeira chegou ao extremo de ser o mais votado para primeiro e segundo colocado da noite, e ainda empatou na disputa pelo terceiro lugar.

Quanto à música em si, destacamos os concertos a que assistimos: os dos dias 06, com obras para conjunto de câmara com percussão; 07, para conjunto de câmara em geral e para orquestra de câmara com solista, e 08, para orquestra sinfônica.

O concerto do dia 06 teve a peça de um pernambucano eleita a melhor da noite: Pernambukalos, para soprano, flauta, clarineta, violino, violoncelo, piano e vibrafone. Seu autor, Armando Lôbo (integrante do antigo grupo de rock recifense Santa Boêmia), foi listado pela Bienal como fluminense devido à residência (Armando é professor do Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de Janeiro), mas o título da partitura não deixa dúvida: faz referencia à beleza (kalos, em grego) da música de Pernambuco.


No dia 07, foi executado o Nonetto, de Marlos Nobre, para flauta, clarineta, violino, trompa, piano, contrabaixo, tímpanos e dois percussionistas. No Nonetto, o atual regente da Orquestra Sinfônica do Recife optou pela autorreferência para estruturar a partitura a partir de citações literais de peças orquestrais suas como Kabbalah e Sacre du Sacre.

O desfecho da XX Bienal requereu um palco maior que o da Sala Leopoldo Miguez, que comporta uma orquestra de câmara, mas não uma sinfônica completa. No Theatro Municipal do Rio, então, a Orquestra Petrobras Sinfônica, diante de mais de mil pessoas, imprimiu uma interpretação consistente e séria de todas as seis obras do concerto (confira ao final deste link).

Todos os vídeos da Bienal de Música Brasileira Contemporânea deveriam estar disponíveis no site oficial do evento, mas apenas parte pode ser vista, por divulgação dos próprios compositores. A Funarte, em março, ainda aguardava a conclusão da edição dos vídeos restantes. Espera-se que, em breve, o acervo das edições anteriores também esteja à disposição online, uma promessa lançada na edição de 2013 e que continua no aguardo de concretização.

* Viajei ao Rio de Janeiro a convite da Funarte para acompanhar as três últimas noites da XX Bienal de Música Contemporânea Brasileira, em outubro passado.

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