sábado, 29 de março de 2014

O que seus candidatos fazem do seu voto?


Ana Lira, representante pernambucana na 31a. Bienal de São Paulo
Esta semana os curadores da Bienal de São Paulo, que acontecerá de setembro a dezembro, divulgaram a lista de artistas participantes, entre os quais está o da jornalista e fotógrafa recifense Ana Lira. Ana foi selecionada pelo seu ensaio Voto!, em que ela questiona a fragilidade e mera conveniência das alianças políticas pelo país, nas quais candidatos antagônicos aliam-se ou dividem em seus palanques o mesmo padrinho.

A representação de rostos rasgados, desfigurados e desbotados pelo tempo - nos cartazes captados pelas lentes de Ana - traduzem-se em alegorias do espaço que os políticos passam a ocupar na memória fugidia e volátil da população: vivos e coloridos, antes, quando das campanhas; sem rosto e disformes, depois delas. Pedi então que Ana contasse como ela desenvolveu sua crítica política foi sendo construída e ela forneceu o relato abaixo.


A GÊNESE - Este projeto começou no segundo semestre de 2012, quando eu estava pesquisando a temática da crise de representatividade política, no Brasil, para desenvolver imagens que poderiam fazer parte do filme coletivo Eleições: crise de representação, que está em fase de edição em Recife. Durante a pesquisa, eu viajei para outra cidade para fazer um trabalho e acabei ficando ao longo do período eleitoral. A lei brasileira não permite que votemos fora dos nossos domicílios eleitorais, de modo que, além de justificar o voto pela primeira vez, eu também pude acompanhar o clima de votação em outro município.

Este contexto me ajudou a pensar as bases do trabalho. Eu percebi com mais clareza que havia uma distorção entre o resultados das urnas e os desejos, crenças e projeções da população. (...)

Estas reflexões me fizeram lembrar de uma hipótese que tive contato durante os meus estudos na área de comunicação. Nela, pesquisadora alemã Elizabeth Noelle-Neumann discutia o que chamou do fenômeno da
Espiral do Silêncio. Segundo ela, em um contexto eleitoral em que os modelos de participação política afastam o diálogo com a população, há um sério risco de serem consideradas majoritárias candidaturas que nem sempre têm o real apoio público. Porém, elas são colocadas como ideais ou vencedoras de modo tão impositivo e continuado que aos poucos silenciam as dissidências.

CARTAZES - Percebi que havia sintonia entre o que ela dizia e o ambiente eleitoral desenhado no Brasil. Então, comecei a pensar por meio de quais canais as pessoas poderiam exercer uma expressão mais livre acerca das candidaturas, partidos e do próprio contexto eleitoral brasileiro. Essa busca me levou aos cartazes de propaganda política espalhados pelos centros urbanos. Fui andando, percebendo e estudando como as pessoas agiam sobre eles, deixando de forma bastante simbólica suas opiniões acerca de um processo de escolha que mexe de forma determinante com a vida de todos nós.

(...)




CRENÇA PÚBLICA - O projeto discute os processos de crença na figura do político e o processo de transformação que eles passam ao longo de seus mandatos até tornarem-se espectros e vestígios de suas promessas de campanha. Ele debate, também, o cenário de infidelidade partidária existente no Brasil, movido pelos interesses pessoais e econômicos dos políticos. A população lida o tempo todo com personas limítrofes.

 Como no carnaval, em que figuras de personalidade distintas usam máscaras e se caracterizam para estarem nos mesmos blocos (e podem estar em outros nos anos seguintes), políticos de ideologias díspares aparecem no mesmo partido em busca de projeção na carreira, embora ninguém saiba onde eles estarão no ano que vem.

(...)

Este mapeamento das intervenções me levou, ainda, a perceber que, por quase nunca ser considerado um discurso potencialmente ativo nas decisões tomadas nas eleições seguintes, vários destes cartazes sobrevivem muito mais do que determinadas parcerias e relações políticas. Se pesquisados a longo prazo, eles conseguem expor as costuras realizadas entre os partidos para garantir sistemas de governabilidade ou atender os desejos pessoais que alguns candidatos nutrem de alcançar determinados cargos públicos.
 

(...)

Além disso, as marcas podem configurar outros modos de relações de poder eleitorais. Por exemplo, os bairros em que moram pessoas mais ricas têm um número significativamente menor de cartazes colados nas paredes, porque os condomínios, edifícios e donos de estabelecimentos comerciais não permitem que eles sejam fixados. Por outro lado, nos bairros em que a população tem renda menor ou que são considerados áreas de grande fluxo de circulação popular, os cartazes permanecem por muitos anos.

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